TERCEIRA PARTE
Uma questão de
coragem
Quem sou
eu?! Difícil responder a esta pergunta. Tudo e todos que existem, existem
porque estão em movimento e isso não é novidade alguma desde os antigos gregos
que começaram a distribuir entre eles elementos não estáticos.
Entre os
africanos é notório também o saber olhar para o céu, saber decifrá-lo
não através da razão, como nós ocidentais, mas com uma perspectiva mitológica
enraizada na terra, no céu, na água e no ar que transcendia a questão meramente
humana de “ser ou não ser”.
Esse olhar certamente permeou étnica e culturalmente o Partido Alto na forma de samba que mais se aproxima da origem do batuque angolano, do Congo e outras regiões vizinhas.
Modernamente, o estilo Partido Alto com base em versos realmente improvisados vem caindo em desuso, não só pela diminuição de rodas de samba em sua concepção original, como pela facilidade atual de se repetir versos pré-elaborados, gravados e difundidos pela tecnologia da comunicação deste século XXI.
A
questão do “eu” não é meramente filosófica, do ponto de vista de alguém olhar
para si mesmo e tentar extrair de forma abstrata a essência do que existe no
mundo a partir de uma ótica pessoal.
Candeia,
no documentário PARTIDO ALTO, de Leo Hirzmann, diz que este é a expressão mais
autêntica do samba. Aí, ele deixa clara a categoria do “eu” que se mostra 1)
evidente; 2) de forma velada; ou 3) desmembrando-se em “meu”.
EU SOU UM HERÓI (João de Abreu)
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Não
consigo aturar nem mais um patrão
Que quer
só mostrar que é o dono do mundo
Ou eu
fico duro, ou viro ladrão
Ou
só pra rimar eu me chamo Raimundo
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Os
vizinhos já estão a pensar mal de mim
Fofocam
que eu sou mafioso ou gay
Eu não
penso que a grana vem do capim
Eu
faço magia, não sei de onde vem
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Vagabundo
não é mais aquele ocioso
Pode
ser um distinto bem desempregado
Quem
sabe a gente acostuma com osso
Onde
a vida murmura um som desafinado
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Na
rua as pessoas só pisam em buracos
Achando
que o mundo não vale um vintém
Fazendo
castelos por sobre barracos
E
dizendo que a crise não vai muito bem.
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
O
meu pai, no passado, não cansou de pedir
Para
eu ser um médico ou então militar
Mas
não conseguiu me fazer redimir
Pois
ele era pobre e não pode pagar
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Eu
só faço arte, não é malandragem
Não
é por orgia, pilhéria ou um bem
Canto
que a vida anda de estiagem
Poeta,
herói, eu sou João Ninguém
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Cada
dia que eu pego uma condução
Eu
pago um preço que sempre é demais
Eu
não ganho nada fazendo canção
Sendo
assim, eu só pulo pela porta de trás
Tô sempre rindo daquilo que dói
No fundo eu acho que eu sou um herói
Não
arranjo emprego em lugar nenhum
Eu
vou no Maraca sem Zico ou Mané
Chego
prum amigo: “Me empresta mais um”...
E
assim vai a vida como Deus quiser.
(CONTINUA)
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